É possível ser advogado e crente?
Entrevista com David Teixeira de Azevedo
Alguns pensam, de forma preconceituosa, que advocacia e cristianismo não podem andar juntos e que, ao procurarmos um advogado, estamos em busca de auxílio para burlar a lei. Exatamente sobre isto o vice-presidente do Instituto dos Juristas Cristãos do Brasil afirma: “o advogado é alguém que faz cumprir a lei”.
Nosso entrevistado é o Dr. David Teixeira de Azevedo, um dos mais talentosos e respeitados advogados do Brasil. Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais, mestrado e doutorado em Direito pela Universidade de São Paulo e especialização em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra – Portugal.
Atualmente é professor da Faculdade de Direito da USP, vice-presidente do Instituto dos Juristas Cristãos do Brasil – IJCB e atende em escritório profissional em São Paulo. É autor de diversos livros, dentre os quais, Atualidades no Direito e Processo Penal, pela Editora Método.
É possível ser um crente fiel a Deus e viver da advocacia no Brasil?
David - Claro que sim. A advocacia não traz nenhuma incompatibilidade com os princípios cristãos. Mais, a advocacia não é conflitante de nenhum modo com a fidelidade ao Senhor. Deve o advogado exercer sua atividade profissional com todo o tirocínio e competência, estabelecendo uma relação de empatia com o cliente, fazendo suas as angústias e ansiedades deste, sem, contudo, perder a capacidade de posicionar-se estrategicamente na causa, medir os melhores argumentos, avaliar equidistantemente os elementos de prova então existentes. Paixão pela causa entregue à sua responsabilidade, empatia com o cliente, capacidade de raciocínio técnico e exercício da profissão segundo um reto e por isso ético juízo, tudo isto compõe os ingredientes para um exercício profissional conciliado com a fé e com os valores cristãos.
O que é mais difícil para um cristão no exercício da advocacia?
David - É estabelecer linha fronteiriça entre a verdade e o exercício do direito de defesa. Devem caminhar juntos, inseparáveis. Mas que verdade? A verdade histórica tal qual reproduzida na investigação preliminar e no processo.
Haveria alguma especialidade do direito na qual o advogado crente enfrentaria mais causas que vão de encontro ao Evangelho?
David - O terreno é igualmente espinhoso em todas as áreas. Porém, no âmbito da recuperação judicial e no âmbito criminal as questões são mais sensíveis.
Há um pensamento corrente de que ao procurar um advogado procuramos alguém para burlar a lei. O que o senhor pensa sobre isso?
David - É um pensamento absolutamente preconceituoso. O advogado não é aquele que burla a lei, mas sim alguém que faz cumprir a lei. Devemos lembrar que a experiência jurídica é o resultado da tríade fato, valor e norma, como expôs o pensamento de um dos mais extraordinários juristas do século passado e início deste, Prof. Miguel Reale. O direito vai além da norma jurídica, que é provisória e está sujeita à alteração constante, em razão da mudança dos valores que lhe deram significado e em virtude dos nossos fatos sociais. Cabe ao advogado, buscar a razão última da norma, identificar o valor que a empolga, perceber com sensibilidade as mudanças sociais que justificam uma releitura ou mudança da norma. Dentro desse trabalho é que se pleiteará o melhor direito, que inclusive pode estar escondido por detrás da lei.
Aumentou muito o número de igrejas que têm contratado um advogado para defendê-las em várias áreas. Como deve agir o advogado quando é contratado e sabe que a igreja agiu incorretamente?
David - Em primeiro lugar, o advogado não está vinculado somente às causas boas. O advogado tem o compromisso de bem defender seu cliente, extraindo da norma e do universo jurídico a que ela pertence a melhor e mais adequada disciplina jurídica para seu cliente. Se a igreja errou, o trabalho do advogado é de grande responsabilidade no que se refere à advocacia consultiva. Deve indicar os meios e modos jurídicos de adequar o funcionamento da igreja aos preceitos legais. A defesa em juízo deve dirigir-se a mostrar, se for este o caso, como o direito - e não necessariamente uma norma jurídica isolada - pode guardar os interesses da igreja e, assim, apontar conclusivamente pela ilegalidade da atuação do poder público.
Temos também lido sobre líderes e pastores que não assumem seus erros e colocam-se acima da lei. Que conselhos o irmão daria para estes irmãos?
David - É o conselho de Pedro de estarmos sujeitos, e exemplarmente, a toda autoridade humana (I Pe. 2:13). Esses pastores e líderes saibam que "a ira do homem não opera a justiça de Deus” (Tiago 1:20) e que os tribunais estão para corrigir com a vara quem não se conduz debaixo da Graça.
E para os vários advogados crentes que freqüentam as igrejas brasileiras? Que recomendação o senhor daria para que também dêem bom testemunho como profissionais?
David - Uma das melhores e mais ricas imagens bíblicas é a do advogado, em especial quando Jesus Cristo é comparado a um advogado junto ao Pai, ou seja, o Parakletos: I João 2:1 “Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; mas, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo.” Nosso ministério como ministros do direito, e não meramente operadores técnicos dele, é estar ao lado de quem sofre a injustiça, a violência, quem tem seu direito afligido. A dignidade da advocacia, como serviço essencial à Administração da Justiça, entendida como materialmente justa, recebeu grafia no texto constitucional e devemos com toda autoridade e desassombro exercer nossa profissão de modo a contribuir para que a sociedade seja mais justa, que o direito seja efetivamente dado na exata medida em que ele pertencer a cada membro da comunhão social. E mais, devemos aproveitar esta oportunidade para testemunhar que nosso Deus é quem faz justiça, que se põe como Juiz dos juízes, interpretando as circunstâncias por vezes aflitiva e adversa como o caminho escolhido, pela soberania de Deus, para trabalhar com o coração do homem.
Reprodução Autorizada desde que mantida a integridade dos textos, mencionado o site www.institutojetro.com
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