Ética e Liderança Cristã: A era dos escândalos ...

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A era dos escândalos ...

Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!" Mateus 18:7

Nunca tantos escândalos corporativos vieram à luz como nos últimos três anos. Grandes conglomerados empresariais com operações em várias regiões do planeta têm visto o que anteriormente era uma sólida reputação - de confiabilidade, respeito ao consumidor e responsabilidade social - esfacelar-se em apenas um dia nos noticiários de jornais, TVs, rádios e Internet.

A própria definição da palavra escândalo deixa claro quais são as suas conseqüências: "que incita a pecar", "que dá mau exemplo", "indecoroso" , "vergonhoso" , "indecente".

O problema principal é que, em algum momento, alguém achou que tinha o direito de fazer as coisas ao seu jeito, mesmo que isto implicasse não ser totalmente transparente e fosse necessário burlar a lei.

Na prática, acabou valendo a velha – e ainda muito usada – máxima "Os fins justificam os meios". Exemplos não faltam.

O anos de 2004 começou com o escândalo da Parmalat. Considerada hoje como uma das maiores fraudes financeiras da história da Europa, que pode chegar a 12 bilhões de euros, se forem confirmados os rombos em outras empresas do grupo, começa a atingir dirigentes da empresa na América Latina.

A queda de um dos orgulhos da indústria italiana, especializada no processamento do leite, está envolvendo também importantes e famosos especialistas na auditoria de empresas, como a americana Deloitte e bancos conhecidos como o Bank of America.

A suspeita é que os contadores falsificaram informes por anos e contribuíram na fraude através de manipulações na Bolsa de Ações. Entre os contadores investigados figura o presidente da associação italiana de empresas de auditoria, Adolfo Mamoli, que faz parte da comissão criada pelo governo para analisar as repercussões na Itália do escândalo da Enron americana.

Podemos citar ainda outros exemplos, a maioria dos Estados Unidos, país que mais produz modelos de gestão que enfatizam a ética. Confira:

· O painel de auditoria da WorldCom (a segunda maior companhia telefônica dos EUA) pôs a descoberto o que pode se revelar uma das maiores fraudes contábeis de todos os tempos, com a descoberta de US$ 3,9 bilhões de despesas contabilizados impropriamente como investimentos de capital.

· A SEC (comissão de valores mobiliários americana) está assumindo uma posição dura em relação à forma como a Qwest (outra importante companhia telefônica) contabilizou seu US$ 1,4 bilhão de vendas de capacidade de fibra ótica.

· Citigroup (o maior banco norte-americano) comercializou arranjos de financiamento para empresas de energia que inflaram seu fluxo de caixa, uma prática agora sob minucioso exame.

· Adelphia (uma das maiores empresas de TV a cabo daquele país) requereu concordata em meio a investigações de algumas das maiores manipulações financeiras da história corporativa americana.

· Arthur Andersen, pelo esquema maciço de destruição dos documentos relativos ao derretimento da Enron. "Toneladas de papelada referentes à auditoria da Enron foram imediatamente picotadas como parte da destruição orquestrada de documentos", tendo sido alegado um indiciamento federal contra a Andersen. "O picotador de documentos no escritório da Andersen foi usado sem trégua e, para lidar com o volume excessivo, dúzias de caminhões imensos sobrecarregados com os documentos da Enron foram enviados ao escritório central de Houston para serem cortados em pedacinhos". A Andersen foi condenada pela destruição ilegal de documentos, levando ao fechamento da companhia.

· BAT, por operar programas internacionais supostamente concebidos para desestimular os jovens de fumar, mas que, na realidade, tornam a prática do fumo ainda mais atraente às crianças (sugerindo que fumar é uma atividade adulta), continuar a negar os efeitos negativos para a saúde do fumo passivo, e trabalhar para opor-se aos esforços da Organização Mundial da Saúde no sentido de adotar uma forte Convenção de Base sobre o Controle do Tabaco.

· Caterpillar, por vender buldôzeres às Forças Armadas de Israel (Israeli Defense Forces, ou IDF), as quais são utilizadas como instrumentos de guerra para destruir lares e edifícios palestinos desde o começo da ocupação israelense em 1967, deixando 30.000 pessoas sem teto.

· Citigroup, seja pelo seu envolvimento profundo com a Enron e por outros escândalos financeiros e suas práticas de concessão de empréstimos predatórios, através de sua subsidiária, recentemente adquirida, The Associates. Citigroup pagou US$ 215 milhões para liquidar as taxas junto à Federal Trade Commission (FTC) devido ao fato que a The Associates engajou-se de modo sistemático e abrangente em práticas de concessão de empréstimos enganosas e abusivas

· DynCorp, uma firma privada controvertida que subcontrata serviços militares junto ao Departamento de Defesa, para aviões que pulverizam herbicidas nas plantações de coca da Colômbia. Os plantadores alegam que os herbicidas estão matando suas colheitas legais, e os expõem a toxinas nocivas.

· M&M/Mars, por responder de forma muito branda às revelações sobre crianças-escravas na África Ocidental, onde a maioria das plantações de cacau são cultivadas, e por recusar-se a destinar modestos 5% de seu produto dos promotores de Justo Comércio.

· Procter & Gamble, os produtores do café Folger, e parte do oligopólio de torrefação de café, por não ter tomado ação para deter a queda vertiginosa do preço dos grãos de café. Os preços baixos têm levado milhares de cultivadores à beira da miséria na América Central, Etiópia, Uganda, e em outros países, ou destruído seus meios de subsistência.

· Schering Plough, por uma série de escândalos, principalmente a alegação de falha recorrente nos últimos anos quanto ao conserto de problemas de produção de milhares de medicamentos, em quatro de seus estabelecimentos, em Nova Jérsei e Porto Rico. A Schering pagou $500 milhões para encerrar o caso com a Food and Drug Administration, órgão governamental de controle.

· Shell Oil, por continuar suas operações empresariais normais como uma das maiores infratoras mundiais — ao mesmo tempo em que se promove como uma empresa responsável quanto ao meio-ambiente e à sociedade.

· Wyeth, por usar meios dúbios, e sem provas científicas suficientes para vender a terapia de substituição de hormônios às mulheres como fonte de juventude. A evidência científica reportada em 2002 demonstrou que essa terapia, a longo prazo, ameaça a vida das mulheres, aumentando os riscos de câncer no seio, ataques cardíacos, derrame e embolia pulmonar.

É aqui que chegamos ao ponto principal que queremos explorar neste artigo. Todas essas corporações, independente do ramo de atuação - seja através de serviços ou produtos -, têm uma característica em comum com a Igreja: trabalham para atender pessoas.

Por isso, não é demais afirmar que o tipo de problema que se abateu sobre essas empresas – a quebra da confiabilidade - pode ocorrer também dentro dos templos, missões e instituições cristãs.

No nosso caso, as conseqüências são ainda mais sérias porque estamos tratando de uma realidade invisível, que custou o mais alto preço do universo: a esperança das pessoas na eternidade proporcionada pelo Filho de Deus.

A Palavra de Deus, porém, é muito clara ao nos alertar em 2 Coríntios 6:3: "Não dando nós escândalo em coisa alguma, para que o nosso ministério não seja censurado".

Nada mais justo, previdente, responsável, então, do que nos cercarmos de mecanismos que possam garantir transparência e controle dos atos das pessoas que estão na liderança – seja em qualquer tipo de ministério.

A Bíblia nos respalda também para este tipo de ação em Filipenses 1:10: "Para que aproveis as coisas excelentes, para que sejais sinceros, e sem escândalo algum até ao dia de Cristo". A esse conjunto de medidas preventivas podemos dar o nome de boas práticas de governança. Veremos, agora, quais são os princípios fundamentais que nela estão contidos.

Transparência

É a satisfação às diferentes necessidades de informação dos diversos públicos com quem a igreja se relaciona, dentro de sua denominação (se for o caso), entre os diversos líderes internos, para seus participantes e comunidade onde está inserida. Na carta que enviou aos Efésios, Paulo fala sobre a necessidade da transparência e, logo em seguida, cita seus benefícios:

"Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual o corpo inteiro bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, efetua o seu crescimento para edificação de si mesmo em amor " (Efésios 4:15 e 16).

Podemos ver que, antes de necessária, a verdade (transparência) é um ato de amor aos nossos irmãos. Quando decidimos seguí-la, apesar de algumas vezes a verdade não ser necessariamente agradável, a Igreja cresce. Lembre-se das expressões "corpo inteiro bem ajustado" e "crescimento para edificação de si mesmo".

Eqüidade

É o tratamento justo e eqüânime entre os líderes e os diversos níveis de estrutura de governo. Na verdade, a eqüidade está entre as práticas de boa governança que mais pode estimular o bom funcionamento do trabalho. Através dela é possível despertar nas pessoas o sentimento que todos, independente da função que desempenham, têm a mesma importância para o resultado final do trabalho.

Voltando-nos para a Palavra de Deus, vemos que, para o Senhor, a eqüidade é um assunto muito sério, e que Ele não tolera tratamentos diferenciados, como em dois exemplos de Tiago:

"Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas" (Tiago 2:1). "Mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, e sois redargüidos pela lei como transgressores" (Tiago 2:9).

Prestação de contas

É o relatório periódico feito por parte dos agentes de governança a quem os elegeu, nomeou ou contratou. No capítulo 16 de Lucas, encontramos Jesus contando mais uma parábola para despertar as pessoas quanto à necessidade da prestação de contas.

O texto começa nos falando de um rico senhor que chamou o seu mordomo – uma analogia direta a quem exerce ministério na obra de Deus – para que este lhe prestasse contas. E, já no versículo 2, lemos este senhor indagando seu mordomo: "E ele, chamando-o, disse-lhe: Que é isto que ouço de ti? Dá contas da tua mordomia, porque já não poderás ser mais meu mordomo".

Para o rico senhor, a prestação de contas era um pré-requisito, era uma prática que deveria ser natural e contínua, caso contrário desabilitaria o mordomo a continuar no cargo, como ele mesmo fala na última parte – "porque já não poderás ser mais meu mordomo".

Na prática, a prestação de contas serve ainda para conferir se os mordomos que estão servindo na Casa de Deus estão com a visão afinada com a do seu Senhor. Representa, acima de tudo, segurança – tanto para quem presta contas como para quem são prestadas as contas. Pois, caso o mordomo esteja planejando executar o serviço de outra maneira que não aquela estipulada – de acordo com a visão – há tempo do erro ser evitado.

Ao final da parábola de Lucas 16, vemos que o mordomo conseguiu corrigir o erro "e louvou aquele senhor o injusto mordomo por haver procedido prudentemente" . Ao final das considerações de Jesus, o mestre sintetiza a importância da prestação de contas em uma frase:

"Quem é fiel no mínimo, também é fiel no muito; quem é injusto no mínimo, também é injusto no muito" (Lucas 16:10).

Cumprimento das leis

É a observação preventiva e perspicaz das implicações legais de todas as decisões tomadas e das transações realizadas. (check list – novo código civil, leis trabalhistas, previdenciárias, civis etc.).

Vivemos em um tempo que não temos mais desculpas para alegar ignorância diante das exigências da legislação atual. Aquela velha justificativa "Ah, mas nós somos uma igreja, não somos uma empresa...", além de não ter nenhuma base bíblica é o pior exemplo que pode haver de uma igreja que não vive dentro do contexto atual.

Ainda fazendo menção à parábola de Lucas 16, no verso 8, o rico senhor lembra ao seu mordomo que "os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz".

É uma palavra dura, mas que retrata a situação de boa parte das igrejas quanto à condição legal do exercício de suas atividades. A chegada do novo Código Civil, porém, no final de 2002, serviu para sacudir o comodismo que existia nessa área. O próprio Instituto Jetro, que promoveu vários seminários pelo país sobre o tema, e prestou assessoria na adequação de estatutos, constatou que o problema se estendia para além dos estatutos.

Essa constatação nos levou à criação de um check list para verificar a existência de risco de processos nas áreas previdenciária, contábil, civil e trabalhista.

O material, que está em fase de produção, tem justamente esse objetivo: identificar os riscos e corrigi-los. Afinal, como Paulo escreveu aos irmãos da igreja de Corinto, "zelamos do que é honesto, não só diante do Senhor, mas também diante dos homens". (II Coríntios 8:21)

Ética

É a definição dos valores que regem a igreja e do código de ética com seu respectivo cumprimento. Evidentemente, tanto os valores como o código têm de estar baseados na Palavra.

Alguns podem até se levantar para questionar se existe realmente a necessidade de criação de tais documentos; se não é muita "burocracia" . A resposta, podemos encontrar em (Ezequiel 44:5):

"E disse-me o Senhor: Filho do homem, pondera no teu coração, e vê com os teus olhos, e ouve com os teus ouvidos, tudo quanto eu te disser de todos os estatutos da casa do Senhor, e de todas as suas leis; e considera no teu coração a entrada da casa, com todas as saídas do santuário.

Além dos princípios fundamentais acima citados, é necessário – até antes mesmo de colocá-los em prática – analisar como estão e quais são as práticas atuais de governança.

Entre os pontos que devem ser analisados estão os seguintes:

Estrutura de governança - segregação de funções conflitantes; separação entre agentes de governança e conselheiros; alinhar responsabilidade com autoridade.

Existência e independência do conselho - acesso amplo às informações; liberdade de expressão da opinião; periodicidade adequada de encontros; integridade pessoal; sensibilidade ministerial; visão estratégica; ausência de conflitos de interesses.

Gestão do conflito de interesses - mapeamento de possíveis conflitos de interesses (exemplo: igreja X empresas dos líderes; nepotismo; popularidade X pretensão política); avaliação constante dos potenciais conflitos; intermediação externa em casos extremos.

Sistemas de remuneração - conselho estabelece níveis de remuneração dos agentes de governança; comparativo com práticas em igrejas e organizações similares; visão ministerial; observância dos limites financeiros da igreja.

Avaliação - quantitativa e qualitativa; das finanças; dos serviços prestados internamente; dos serviços prestados à comunidade; das pessoas que trabalham (contratadas e voluntárias); periodicidade e consistência.

Planejamento de sucessão - preparação de liderança interna; capacitação constante; escolha.

Após avaliarmos tudo isso, pode ser que tenhamos uma surpresa desagradável. Afinal, "ninguém falou que a obra de Deus tinha tantos aspectos a serem observados". Nesta hora é preciso muita calma. Não nos esqueçamos da passagem bíblica "Deus não leva em conta o tempo de ignorância"

Mas, a partir do reconhecimento das faltas e erros, convém nos apressarmos para correção dos mesmos. Assim, evitamos abrir brechas que possam nos conduzir ao escândalo e à ruína espiritual.

Para finalizar, guardemos em nossos corações a mensagem de 1 Coríntios 10:12: "Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia".





Rodolfo Montosa

Rodolfo Montosa é membro da Igreja Presbiteriana Independente de Londrina (PR), membro fundador do Instituto Jetro e diretor superintendente do Consórcio União.

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