Ética e Liderança Cristã: Ministério, trabalho e lucro

sexta-feira, 23 de março de 2007

Ministério, trabalho e lucro

Ministério, trabalho e lucro
Publicado em 15/01/07 às 9:15
Por: Alfredo F. de Souza

No dia 9 deste mês o Brasil foi surpreendido com a notícia da prisão nos Estados Unidos de dois líderes de uma famosa denominação neopentecostal por não declararem US$ 56.000,00. Não há novidade neste tipo de prática, pois muitos guias religiosos são denunciados, detidos e acusados de todo tipo de fraude. Porém este novo fato fez com que eu lembrasse da advertência das Escrituras sobre o pecado da ganância na esfera do ministério exercido por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro (1 Tm 6: 5). Também fez com que eu refletisse sobre a urgência do testemunho que nós, pastores e líderes, devemos dar à sociedade e à própria igreja.

O mal da ganância não é novidade. Desde a oficialização da religião cristã em Roma no século IV, líderes cristãos buscaram o prestígio, a pompa e a riqueza sob protesto de alguns fiéis que detectavam o distanciamento da igreja para com o Evangelho. Vale notar que a exacerbação deste mal veio acompanhada do misticismo, da magia, da tradição (práticas carnais comunicáveis ao povo embora fossem estranhas à Bíblia) e do fortalecimento da igreja como instituição humana em detrimento do poder divino. É impressionante a continuidade histórica entre este período remoto e os movimentos neopentecostais em sua maioria.

Contrastando com o vício da usura, trago a advertência de Paulo aos pastores de Éfeso em Atos 20: 17 – 38. Destaco o final da parênese nos versos 33 a 35 que diz: “De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes; vós mesmos sabeis que estas mãos serviram para o que me era necessário a mim e aos que estavam comigo. Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister socorrer os necessitados e recordar as palavras do próprio Senhor Jesus: ‘Mais bem-aventurado é dar que receber’.” A exortação é firme confirmada pelo próprio testemunho do Apóstolo que, no meu entender, pode ser definida nos seguintes pontos:

1. Utilizar o ministério para enriquecer é imoral.

Este ponto é mais que conhecido entre nós quando Deus nos impede de utilizar seus dons para a busca da riqueza como um fim em si mesmo. Pastorado não é profissão, é um dom dado por Cristo para a edificação da Igreja. Embora o Estado classifique o sacerdócio ou o ministério de culto como meio de vida, sabemos que no Evangelho não é assim. Claro que “devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino” (1 Tm 5: 17), mas isto é para que possam gozar de tempo para a dedicação exclusiva ao ministério;

2. Viver do ministério é um direito, mas não um dever.

Conheço crentes que torcem o rosto quando se fala em pastores que trabalham secularmente. Eu não vejo desta forma, pois Paulo mesmo trabalhou para obter sustento para si e para os que com ele estavam. Não é pecado um pastor trabalhar, creio até que, hoje em dia, seja um bom testemunho alguém exercer uma profissão além do ministério. É óbvio que há limites para isso, pois seria complicado alguém ser pastor e comissário de bordo internacional ao mesmo tempo. Nada pode obstruir o ministério e o tempo que lhe é devido, aliás, este princípio não deve ser apenas ao pastor, mas a todo crente inserido no Corpo de Cristo. Todavia, um trabalho que seja visto como extensão do ministério é sempre bem-vindo e, ao mesmo tempo, protege contra os ataques daqueles que generalizam a ganância pastoral. O pastor possui o direito bíblico de viver integralmente do seu ministério, mas isso não é uma obrigação;

3. Melhor que lucrar é doar os bens por amor ao ministério.

É desta forma que Lucas encerra o discurso de Paulo. Sua visão não era obter com o ministério, mas doar-se incondicionalmente ao Reino de Deus. Antes de pensar em lucrar, o líder deve avaliar a oportunidade em socorrer os necessitados com o dinheiro adquirido (veja que o contexto mostra o trabalho secular de Paulo). Alguns exemplos seriam: o trabalho missionário, os crentes necessitados, os colegas carentes, as igrejas humildes etc.

Quão distante está a realidades de alguns líderes milionários (em dólares) e o princípio de Paulo. É um vexame perceber a infâmia daqueles que desglorificam o bom nome da igreja e dos que são reconhecidos como evangélicos. Resta-nos o consolo do julgamento divino sobre os que maculam o evangelho ao longo da história. Com certeza esses tais ouvirão do reto Juiz: “Ai dos pastores (...) que se apascentam a si mesmos!” (Ez 34: 2).

Sola Scriptura


Alfredo Ferreira de Souza é formado em Teologia pelo SPN, e em História, com Especialização em Geografia, pela UFRR; é Mestre e Doutorando em História, ambos pela UFRJ; É professor na Universidade Federal de Roraima desde 1993, professor visitante no Instituto Teológico Presbiteriano do Amazonas desde 1999, e pastor da Primeira Igreja Presbiteriana em Roraima desde 1990. Visite o Blog: http://alfredo-de-souza.blogspot.com/

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