Por Ricardo Barbosa de Souza
Uma das expressões do apóstolo Paulo que sempre me incomodaram foi sua afirmação enfática e repetida: "Sede meus imitadores como eu sou de Cristo."
Sempre tive dificuldade para afirmar isto. Na verdade, acho muito presunçoso, talvez até mesmo arrogante, alguém fazer tal declaração.
Aceitá-la da boca de Paulo não me parece tão difícil. Afinal, ele foi um apóstolo, ouviu a voz do Senhor, suas cartas foram inspiradas e estão inseridas no Texto Sagrado, viveu como poucos uma vida de intensa consagração, serviço e dedicação a Cristo, comprometeu-se até a morte com o Reino de Deus.
Uma pessoa com as credenciais de Paulo poderia afirmar com certa segurança: "Sede meus imitadores, como eu sou de Cristo." Mas como alguém, com minhas credenciais, consegue fazer tal afirmação?
Minha dificuldade não para aí, é um pouco mais grave. Se não consigo fazer uma afirmação assim por falta de coragem, convicção, por achar que não sou uma imitação confiável de Cristo, surge outro problema, certamente mais grave: se não imito a Cristo, a quem imito?
Sabemos que a vida não existe em si mesma, como uma realidade auto-suficiente, auto-criadora.
Fomos criados, gerados. Temos desejos e ansiedades, gostos e vontades, e tudo isso expressa nossa natureza, reflete aquilo que somos.
São nossos desejos que nos impulsionam, determinam escolhas, riscos e rumos. A vida é o reflexo de tudo isso, somos um espelho daquilo que desejamos.
O apóstolo Paulo, ao falar da imitação de Cristo, assume a natureza da imagem de Deus na qual fomos criados.
É a partir desta doutrina que ele afirma sua identidade e reage aos riscos da idolatria.
No Salmo 115, o salmista diz que aqueles que fazem, confiam e adoram ídolos tornam-se semelhantes a eles.
Refletimos aquilo que adoramos. O problema maior da idolatria não são os ídolos, mas a descaracterização daquilo para o que fomos criados.
Paulo, em sua carta aos romanos, descreve com clareza alarmante o estado deplorável dos homens que trocaram a glória de Deus e passaram a adorar outros deuses, ídolos e a si mesmos.
Esses homens, diz Paulo, perderam o juízo, a sanidade, tornaram-se loucos, insensatos, desumanos, depravados e perversos.
Reflexos daquilo que adoravam. Fomos criados para adorar Deus e refletir sua imagem. Isto nos ajuda a rever nossa própria identidade.
Paulo afirma que não pertence a si mesmo, que foi comprado por bom preço (1Co 6.20), que seu corpo é morada do Espírito Santo, que sua vida existe para glorificar Deus.
Ao dizer "sede meus imitadores...", Paulo não está pretendendo ser melhor, mais santo, mais puro, mais correto do que os outros.
Não se coloca numa posição de destaque com a arrogância comum de líderes narcisistas. Ele apenas reconhece quem adora e diante de quem sua vida é vivida.
A doutrina da imago Dei é fundamental para uma espiritualidade cristã, bíblica e saudável.
Ela nos ajuda a levar a sério o pecado, que é, em última análise, a perversão da imagem, a deformação daquilo para o que fomos criados, a desumanização do ser.
Muitas vezes paramos de crescer porque esquecemos nosso destino, passamos a adorar outros ídolos, perdemos de vista a humanidade perfeita de Cristo, tornamo-nos reflexos de uma glória passageira, da nossa própria vaidade e egoísmo.
É uma doutrina que mostra que a vida cristã é dinâmica, e não estática. Caminhamos em direção a Cristo ou retrocedemos em direção à apostasia.
A compreensão da imago Dei também nos ajuda a construir uma espiritualidade mais pessoal e relacionai.
Ao dizer "sede meus imitadores...", Paulo expõe sua vida, torna sua fé uma expressão pessoal e comunitária.
Ele convida a Igreja a olhar para as transformações que o Evangelho fez em sua vida.
Ele não é ó tipo de pensador que esconde a dinâmica da vida, ou do teólogo que se esconde atrás da academia.
A mente, para Paulo, não é um substituto para a vida. Ele se oferece como uma carta viva, um exemplo real.
Ele abre sua vida à comunhão e aos afetos. Ele sofre porque vive o que ensina, porque é sincero e verdadeiro em sua pregação.
O convite para imitá-lo é um convite para a comunhão, para andar junto, conhecer e ser conhecido, para seguir em direção a Cristo, amadurecer, amar, perdoar, crescer.
É assim que Paulo entende a dinâmica da fé, aexperiência com Deus, o significado da teologia e a importância da doutrina.
Para ele, tudo isso desemboca numa vida mais humana, mais verdadeira, transparente, pessoal e relacionai.
A imago Dei também nos ajuda a preservar a centralidade de Cristo em nossa experiência pessoal.
O propósito da espiritualidade cristã é o nosso crescimento em Cristo, nossa conformidade com Ele.
O propósito da oração, das Escrituras, dos sacramentos, da comunhão dos santos, da adoração, da vocação e da missão é o de nos tornar mais semelhantes a Cristo.
Ao afirmar "sede meus imitadores...", Paulo rompe com qualquer forma de idolatria.
Uma vez que imita Cristo, significa que não adora nenhum outro deus, que não reflete nenhuma outra glória, que não espelha nenhuma outra realidade que não seja Cristo.
Para Paulo, a verdadeira experiência espiritual não consiste em sentir-se bem, provar sensações ou emoções arrebatadoras, buscar um ajuste social ou psicológico, mas em ser convertido e transformado por Cristo, em esquecer-se das coisas que ficaram para trás e seguir em direção ao prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus (Fp 3.13,14), em "chegar ao pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo" (Ef 4.13).
Para Paulo, não chegava a ser nenhum absurdo afirmar: "Sede meus imitadores como eu sou de Cristo."
Não havia nenhuma arrogância em suas palavras, nenhuma prepotência, apenas a certeza de que era a Cristo, e a nenhum outro, nem mesmo seus próprios interesses, que seguia.
Tinha a certeza de que sua vida refletia a glória de Cristo, seus sofrimentos, sua alegria e seus propósitos.
A segurança e a serenidade de que podia se expor, ser verdadeiro, pessoal, humano, afetuoso e simples em seus relacionamentos.
Talvez a dificuldade de muitos em fazer esta afirmação é que temos desenvolvido uma espiritualidade menos pessoal e mais institucional, burocrática, acadêmica, racional.
Buscamos mais experiências, informação, estruturas eclesiásticas, programas e sensações espirituais, e menos a Cristo e a transformação n'Ele.
Refletimos mais o mundo com suas ambições, ansiedades, temores e ambigüidades do que a Cristo com seu amor, graça, perdão e salvação.
"Sede meus imitadores como eu sou de Cristo" é a declaração daqueles que amam a Cristo, que seguem no caminho do discipulado, que não se interessam por nenhuma outra coisa que não seja Cristo e sua perfeita humanidade, que não desejam nada a não ser a comunhão com sua vida, sofrimento, alegria e glória. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário